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Em 2023, Terra Batida e humusidades se reuniram em torno de um projeto de pesquisa e criação coletiva que teve início com uma chamada aberta para participação. A partir da pesquisa realizada pelo projeto Terra Batida na cidade do Fundão, em Portugal, decidimos investigar outros Fundões, em território brasileiro. A chamada, então, perguntava: “e lá no fundo, o que é que tem?”. Em meio ao grupo de participantes, artistas, professores, pesquisadores, e estudantes de vários locais no Brasil e em Portugal. Um grupo de cerca de trinta pessoas, que mergulhou em um processo coletivo de pesquisa e criação, entre maio e outubro de 2023.

 

Coordenação Terra Batida: Rita Natálio

Coordenação humusidades: Zoy Anastassakis

Design, comunicação e gerenciamento: Ísis Daou

Artista convidada: Äline Besourö

Conheça os trabalhos de cada integrante do projeto navegando pelo menu à direita.

Estranhar, não no sentido de tornar estranho, ou esquisito, mas de tornar(-se) estrangeira num determinado espaço. O estrangeiro, como escreveu o sociólogo alemão Georg Simmel, é ao mesmo tempo alguém próximo e distante, alguém cuja mobilidade determina as formas de interação umas com as outras.

 

“Se viajar é a liberação de qualquer ponto definido no espaço, e é assim a oposição conceitual à fixação nesse ponto, a forma sociológica do “estrangeiro” apresenta, por assim dizer, a unificação dessas duas características” (Simmel, em “O estrangeiro”, de 1908).

 

Em oito encontros, por meio de telas, adentramos em regiões comuns a algumas pessoas, mas totalmente estrangeiras a outras. Tornamo-nos mais próximas de espaços localizados, às vezes, na nossa própria cidade, mas que não necessariamente faziam parte dos nossos percursos habituais. Habitamos, através de imagens, palavras e ideias, espaços marcados pelo descaso, pela devastação e degradação socioambiental, mas também pela possibilidade de regeneração e transformação.

 

Entre maio e setembro, trocamos experiências a respeito de diferentes espacialidades e formas de estar implicadas nelas. Alguns encontros e conexões ultrapassaram as bordas das telas e resultaram em parcerias presenciais, novas conexões e, portanto, novas potencialidades criativas. Diferente da viajante, a estrangeira é aquela que não está só de passagem. Ou melhor, mesmo de passagem, ela fica. Ela se fixa em um território sem perder a liberdade de ir e vir. Indo e vindo, os questionamentos da estrangeira favorecem novas visões sobre os espaços, permitindo enxergar os processos (sociais, políticos e culturais) que transformaram prédios em espaços abandonados, dinheiro público em ruínas, montanhas em recurso econômico, baías em local de lançamento de rejeitos, terrenos em espaços baldios.

 

Fomos com a curiosidade das estrangeiras em direção às ideias e às técnicas empregadas por várias de nós, produzimos e trocamos fotografias, mapas, vídeos, desenhos, bordados, caixas de objetos. Coletamos ideias e compusemos escritas e pensamentos conjuntos. Ainda durante o percurso, a estrangeira olha pra trás e consegue enxergar nos terrenos baldios raízes e emaranhamentos, resultado dos encontros e da germinação coletiva.

 

paula lacerda

Ana Paula Lourenço

É artista-pesquisadora transdisciplinar. Há 7 anos investiga a polinização como metodologia para a composição artística, através do Projeto de Polinização Poética Urbana. Embrenhada em experimentos artísticos na intersecção arte-natureza-técnica, desenvolve estratégias artísticas que ressignificam o agente humano na polinização. Promovendo reconexões férteis nas feridas da cisão NaturezaXCultura.

Respiração das Curvas Sobre Reta Modernista

O que vemos ao encarar a precariedade por tempo demais? Conseguimos ver novidade na vida em meio a paisagens com uma devastação já tão familiar? Das feridas e fendas jorram rios. Silenciosos e constantes. Só percebemos seu fluxo com o acúmulo do tempo. Rios subterrâneos. Mergulham na matéria até encontrar a fresta por onde fazem caminho. Abrem passagem. De uma gota, um fio d´água. Do fio, a abundância. E às margens vai deixando, pequenos relatos, estórias de onde se demorou mais, cansado ou curioso. Vestígios do prazer da vida e do morrer da carne. Fundão para mim é colmeia. Local de reunião para explosão criativa. Aqui, faço uma homenagem ao Pamplonão, ateliê coletivo do curso de Pintura da Escola de Belas Artes da UFRJ, onde cresci, me formei e hoje retorno como professora para polinizar, para catalisar potência criativa. Na paisagem do Pamplonão, destacam-se as ações do tempo e os pequenos seres com os quais convivemos, mas comumente nos esquecemos, só nos lembramos quando se intrometem no nosso caminho. No quadro, o chassi é recolhido dos restos do incêndio de 2017, a tela foi preparada pelos alunos de minha turma e a camada pictórica é anteparo da estalactite, se faz estalagmite com o acúmulo do tempo.

Audrei Carvalho

Artista visual, designer gráfica e pesquisadora. Em sua poética, utiliza a cartografia, a coleta e a seleção de materiais descartados para investigar as relações entre objetos, memória e lugar. A artista é doutora em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Caixa Sapucaia e Caderno dos Fundões

Caixa Sapucaia é composta por materiais coletados na cidade universitária da Ilha do Fundão, no Rio de Janeiro, Brasil. O local já foi um arquipélago formado por oito ilhas. A Ilha de Sapucaia foi o primeiro depósito de lixo da cidade do Rio de Janeiro (1865-1940). Soma-se ao conjunto de coisas que compõem a caixa um selo vindo de Portugal, datado de 1977, encontrado no fundo de uma gaveta. Pega-azul é um pássaro nativo da Península Ibérica, que cruzou o Atlântico impresso nesse selo. A reunião de materiais nesta caixa é um ativador de estórias para compor outros fundões. Informações, frases soltas, anotações dos encontros do grupo, desenhos e esquemas, formam o Caderno dos Fundões, que acompanha a Caixa.

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Caroline Jacobi

Porto Alegre, 1990.
Vive e trabalha no Rio de Janeiro/RJ

Artista visual, fotógrafa, pesquisadora e ativista ambiental. Desde 2013, realiza uma pesquisa artística e teórica sobre ambiente, mudanças climáticas e territórios. Tem como interesse poético e estético as paisagens híbridas, que busca abordar a partir de fotografias digitais, analógicas e colagens de pixels e outros recortes de imagens. É doutoranda em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Pedra Solta

Mosaico português ou calçada portuguesa: era uma vez um calçamento com ornamentos e que contava histórias. Surgiu pelos anos 40, no século XIX, prosperando em Portugal, e em sua maior colônia, o Brasil. Agora é, por vezes, abandonado e substituído. O que fala essa pedra solta? O que fala algo fora do lugar? Navegar por dentro da pedra e apreender um lugar. E se cada pixel for uma pedra, há um calçamento virtual para derivações múltiplas. Obra audiovisual criada a partir de fotografias realizadas na Ilha do Fundão, no Rio de Janeiro, e imagens coletadas no Google Maps. Trilha sonora elaborada com gravações das rádios Cova da Beira (Fundão, Portugal) e Marmorno (Niterói, Brasil).

Clarice Rito

Carioca, performer e artista plástica, explora temas como a ecologia, a poesia dos materiais, dos espaços e das relações humanas. De 2008 a 2016, integrou o coletivo Urbitantes, cuja performance de cunho socioambiental "Homem Produto" foi mencionada nas publicações “Evocações das Artes Cênicas (2010-2013)” e “Contemporary Performance Almanac 2017”.

Pré-pó_deambulAções antes do fim

Fotonovela que ilustra as deambulações de uma Criatura sobrenatural, gerada a partir da junção de materiais inorgânicos, substâncias tóxicas e micro-organismos. Esta se inicia na Ilha do Fundão, no Rio de Janeiro, e finaliza no Fundão português, onde a Criatura morre incendiada. A fim de engrossar o coro dos alertas relativos aos abusos e violências impingidos pelo Homem no planeta neste antropoceno, “Pré-pó” narra, de forma tragicômica, a saga de um personagem-coisa-viva, que costura geografias brasileiras e portuguesas, apontando a atenção aos hábitos socioculturais do mundo capitalista, sugerindo, sutilmente, uma revisão crítica dos modos de vida que escolhemos. As imagens são resultado de uma investigação performática que começou a tomar forma no início de 2023, acrescida de imagens de pesquisa e do uso de colagens digitais, que permitem criar a absurda rota traçada. Algumas destas imagens são colaborações de artistas companheiros do grupo de estudos “E lá no fundo, o que é que tem?”.

Fernanda Haskel

Artista-pesquisadora, doutoranda em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Investiga Políticas Afetivas e Platôs de Regeneração: Produção de Cuidado e Fabulações Especulativas nos Encontros entre Floresta e Cidade. Com corpo encantado com Bromélia da Mata Atlântica, pensa com planta e fabula com flor.

E LÁ NO FUNDO, O QUE QUE TEM? O ENCONTRO DOS TEMPOS NO ENTRE-MAR – as plantas comem as estruturas do abandono

É uma obra experimental de fabulação especulativa que nos transporta para o ano de 3983, em um cenário previsível cientificamente e alertado pelos indígenas. A Terra sofre com um aquecimento global de 70 graus, a vida não hibridizada tornou-se impossível. A narrativa se desenrola como um triálogo multiespécies entre uma mulher, que se fez com uma bromélia da extinta mata atlântica e uma baleia, usando um minúsculo caderno que guarda registros de uma investigação coletiva iniciada em 2023, indagando "e lá no fundo, o que que tem?". Neste mundo de ruínas em construção e abandonadas, o enredo explora a relação entre criaturas mutantes e plantas que devoram as estruturas do abandono. A história transcende o tempo, explorando a cura e curadoria do mar, e o receio de ser mulher no trans-mar em estruturas patriarcais. A trama desafia as convenções de tempo e espaço, instigando uma reflexão profunda sobre as maravilhas e horrores de um mundo que desafia as expectativas. É uma odisseia poética e filosófica que nos convida a explorar as incontáveis e indomáveis ruínas de um futuro capitalista, desafiando barreiras entre orgânico/artificial, natureza/cultura e o que permanece no fundo do tempo e do mar.

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Gabriel Martucci

Nascido no Rio de Janeiro, cidade em que trabalha. Mestrando em arquitetura na UFRJ, atua na Associação Cultural Lanchonete <> Lanchonete como arquiteto e arte-educador. Sua pesquisa aborda memória, cidade e jogo na intersecção de diferentes práticas, destacando a apropriação do espaço pelo corpo como processo pedagógico e projetual.

Levantamento

O termo Levantamento diz respeito a um gesto referente à pesquisa, investigação ou coleta de algo, assim como o ato de pôr de pé, alçar ou erguer. Tem a mesma origem etimológica de Levedura, do latim, que, no uso literário, significava “alívio, mitigação”, mas, no latim vulgar, tinha o sentido de “meio de elevação, algo que eleva”, "excitar a fermentação".


O trabalho Levantamento consiste no registro em vídeo de um programa performativo realizado no edifício JMM, sede da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, na Ilha do Fundão, Rio de Janeiro. Vestígio silencioso da passagem do tempo e seu abandono pela falta de manutenção, o edifício encontra-se em processo de decomposição. A arquitetura monumental se desfaz em fragmentos que, destituídos de sua função no projeto do edifício moderno, recriam uma outra vida a partir de suas miudezas.


O Levantamento do edifício se realiza em duas etapas. Em um primeiro momento a colheita é realizada recolhendo as pastilhas que caem da fachada, a menor unidade da construção. Em seguida, a partir da escolha de lugares residuais, cantos, brechas e detalhes do edifício, as peças são empilhadas uma por uma em um processo de fermentação.

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Gabriela do Amaral

Brasileira, poeta, designer, investigadora e mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes pela Universidade do Porto. É autora de vários livros, entre eles Língua-mãe, publicado em 2021. Escreve sobre língua, exílio e maternidade e organiza workshops online sobre escrita, leitura, maternidade e produção feminista.

Ecologias Imaginadas – parte 1: como se as cracas pudessem sonhar

Tendo como matriz narrativa o devir das Cracas, Ecologias Imaginadas, propõe duas fabulações especulativas que se conectam pelas profundezas infiltradas. A partir de conversas subterrâneas, os trabalhos de Gabriela do Amaral e Orlando Vieira Francisco buscam identificar obras não visíveis, apostando em advertências oraculares e vocalidades infrageológicas se movimentando na reflexão entre cuidado y abandono, real y onírico, pessoal y político. Porque começar pelo sonho? Num futuro ficcional, uma equipe de therolinguistas descobriu na costa norte de Portugal uma tentativa de comunicação por parte das Cracas. Depois da poesia panfletária das formigas e da escrita cinética coral dos pinguins-de-adélia, a associação de pesquisadores estava agora diante dos sonhos em braile das thoracicas. Após voltar muitas vezes para a mesma praia, a praia de Cepães no município de Esposende, a pesquisadora Beatriz Gónzalez, que tem 97% de deficiência visual, percebeu que não era coincidência o que ela lia com os pés. As Cracas estavam se comunicando, e era um sonho que elas queriam contar. “Como se as Cracas pudessem sonhar” é uma ficção visionária visual y poética, um sonho enviado por seres imóveis pero vivos, lido com os pés, um braile do subconsciente onírico y craquento. 

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Guilherme Ferreira

É designer gráfico, curador e pesquisador acadêmico atuante na área de Comunicação e Cultura, com foco em Teoria das Novas Mídias, Pensamento Ecológico e Estudos de Arte Contemporânea. Formado em Comunicação Social pela Universidade do Rio Grande do Sul. Mestre e doutorando pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), atualmente pesquisa respostas à crise ecológica - com foco em práticas artísticas não-européias, sensibilidades não-humanas e reconsiderações do que entendemos como paisagem, natureza e humano.

Virar o pescoço

O trabalho consiste em uma imagem e um texto. A imagem é uma fotografia realizada nos territórios da Ilha do Fundão, no Rio de Janeiro, e pensa sobre a relação entre natureza e cultura, mas sobretudo sobre o gesto de prestar atenção a existência monstruosa de seres não humanos. O texto foi escrito em movimento: entre os deslocamentos em direção à Ilha do Fundão, e mistura livremente relatos pessoais, fragmentos e textos críticos.

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Laís Furtado

Laís é pesquisadora dos ritos e ritmos do céu e da terra, comunicadora e brincante das manifestações de cultura popular brasileira. Entusiasta dos movimentos que honram o legado das comunidades e povos tradicionais latino-americanos.

mão da mãe, mão do mar

um pé de quê cresce dentro de mim?
vim do veio
da madeira da floresta
que nasce ou entranha
no fundo do céu
digital cósmica
sulcos, veios, artérias
família é como uma floresta
raízes onde procuro o sentido e a razão
céu de dentro
céu de chão
fundo, buraco, umbigo
todo buraco negro é um útero cósmico
buraco negro do mistério de chegada
útero mater
cabaça útero lunar
mão da mãe
mão do mar
a água conecta todas as coisas
kalunga grande
ventre do mundo
fundo do céu
é sustentação
do firmamento

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CAPA_ mão da mãe, mão do mar (digitais cósmicas - kirlian).jpeg

Laura Landau

Carioca, designer de produto e cientista ambiental. Pesquisa o fazer manual das coisas e como elas se integram e agregam outros elementos ao seu redor, estruturam e são estruturantes para as vidas humana e não humana. Costuma navegar entre o artesanato e a biomimética ao mergulhar no mundo.

Afina-se distâncias

Iniciei este trabalho com um questionamento na cabeça: “e se os fungos não fossem intrusos no nosso convívio?”. Sinto que o fundão, aqui, está no espaçamento que nós humanos achamos que conseguimos dar em relação às vidas microscópicas que não compreendemos. Assim, criamos um fundão de relação, um abismo. Porém os seres, assim como nós, têm pulsão, potências e movimentos, e nos desbancam nesse afastamento que insistimos em ter. E se aceitássemos essa convivência, essa relação que está sempre na eminência de acontecer, e favorecêssemos essa aproximação? Meu trabalho se propõe a entender como seria a vida mais próxima, mais desejada, com esses outros seres. Com isso em mente, desenvolvi dispositivos que geram condições ideais para que os esporos dos fungos, flutuantes no ar, se acomodem e prosperem. A partir de estudos biomiméticos, entendendo condições favoráveis ao desenvolvimento dos fungos, criei peças em cerâmica que são armazenadores de líquidos com estruturas que criem microclimas e sejam propensas para o desenvolver desses seres. Essas peças foram instaladas em paredes já construídas por humanos, afinando a distância entre nós e promovendo o convívio.

baixe o texto sobre o processo

Lia Maestrelli Bizzo

Pesquisadora que investiga o corpo e a arquitetura, interessada nas nossas relações poéticas com a natureza. Aprendiz de bambuzeira, arquiteta de formação, artista de coração, possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Santa Catarina (2018), graduação em Período de Estudo pelo Programa Ciências sem Fronteiras - Università degli Studi di RomaTre (2015). Atualmente, está cursando o mestrado na linha de pesquisa Entre Arte, Arquitetura e Paisagem, sob a orientação da Prof. Fabíola do Valle Zonno, no ProArq, UFRJ.

Somos es-feras?

Segurar, alçar e soltar. Ver rachar, descobrir o que há dentro. Es-feras. Esferas são como nossas mentes, nossos corpos, são como nós mesmos. O trabalho de uma vida de encontrar forma e essência dos pensamentos que nos atravessam e dos corpos que nos sustentam. O trabalho de descobrir es-feras, de procurar como fender e partir, de cultivar a curiosidade sobre o que há dentro e de saber respeitar o que se apresenta. Segurar, alçar e soltar. Não faria sentido fazer processos complicados: gestos simples e contato direto bastam. As mãos, o esforço físico faz mais sentido do que qualquer modo artificial, com meios e fins definidos. Segurar, alçar e soltar. Ver a es-fera cair, sentir a emoção de quando fende, encontrar as primeiras rachaduras que aparecem, os primeiros sopros do mistério interno. Abrir, estourar, partir. Sentir o olho brilhar ao ver o azul inesperado, a surpresa do que era desconhecido. Somos es-feras. Segurar, alçar e soltar. Cuidado ao fender a casca. Abrir e maravilhar-se com o que vem de dentro. Somos es-feras.

Marcia Regina

Multiartista brasileira nascida em Todos os Santos, no Piauí, atuante no cenário da dança contemporânea, do teatro, das artes visuais e do audiovisual. No seu mais recente trabalho, a instalação coreográfica SOPRO (2022), vivenciou um processo criativo que trata de modos de se gestar a vida, da metamorfose, integrando, na materialidade cênica, plantas com as quais se acopla em uma relação de escuta e reconhecimento das mesmas como seres dinâmicos. Fundadora e integrante do coletivo multidisciplinar “cia. víÇeras” — @ciaviceras e https://ciaviceras.com —, companhia que se propõe a experimentar diversas linguagens artísticas em sua trajetória de 13 anos. Realiza mestrado em Artes Visual na Universidade de Brasília, com uma pesquisa que aprofunda questões levantadas no processo de SOPRO.

"Os Seres da Terra Nunca Estão Sós", "Para Ser Visto Daqui 300 Anos" e "Soltando Pipa em uma Mineradora"

O trabalho é uma série de três vídeos, intitulados "Os Seres da Terra Nunca Estão Sós", "Para Ser Visto Daqui 300 Anos" e "Soltando Pipa em uma Mineradora", que evocam reflexões sobre a complexidade das vidas e da existência, humanas e não humanas. Apresentando imagens em espaços distintos, os vídeos nos convidam a pensar como nos inserimos neste mesmo espaço, como seria uma obra para ser vista ou não vista pelas pessoas que a criaram daqui a 300 anos. Quem iria ver essa obra? Nesse processo criativo em vídeo, somos convidados a mergulhar em um universo de sensibilidade, poesia e reflexão, onde a arte se torna um elemento poderoso para a compreensão do mundo e do tempo da terra e para a transformação da realidade.

Mariana Paraizo

Artista e mestranda em Linguagens Visuais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Possui forte ligação com a palavra e tem ampla experiência com publicações. Participou de diversas exposições, incluindo “Casa Carioca”, no Museu de Arte do Rio, e "The future for today", na The Wrong Biennale, na FIESP e no Queen's University.

Casa de Formiga (Galerias)

Gravura realizada a partir de exercício de fabulação especulativa de uma casa de formigueiro, ou seja, um formigueiro construído do ponto de vista de um projeto artístico-arquitetônico. A imagem foi impressa com uma tinta serigráfica desenvolvida pela artista com pigmentos a base de terras de diferentes locais do Brasil. Esta impressão faz parte de um projeto ainda incipiente, que transitará entre gravuras e esculturas, experimentando materiais como argila, tinta artesanal, tecido e metal. O projeto busca profissionais de áreas relacionadas às tecnologias do habitar, para pensar coletivamente o que seria uma "Casa de Formiga" em tempos de aquecimento global, desmatamento, entre outras mudanças político-ambientais.

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Mariana Smith

Artista, pesquisadora e professora. Mestre em Processos artísticos contemporâneos (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), pesquisa o tempo na paisagem, as ações do homem sobre ela e as disputas políticas que acontecem em torno disso. Realizou as exposições individuais Memórias do Futuro em Ruinas (MCC, Dragão do Mar) e Máquinas de Observação (CCBNB, Fortaleza), além de uma série de exposições coletivas e programas colaborativos em Artes. É de Fortaleza, nasceu em São Paulo e vive no Crato, Ceará.

Espécies Capsulares

Entrar no Sítio Fundão, localizado no município do Crato, Ceará, é como adentrar as camadas mais profundas da Terra. Na estratigrafia da região, muitas camadas de rocha deixam a mostra as diferentes eras da terra, fósseis do período Cretáceo emergem nos dando indícios dos modos de vida de muitos milhares de anos antes de homem surgir. Algumas espécies encontraram meios de sobreviver em meio às intemperes do Globo, em meio ao surgimento dos continentes e oceanos os quais conhecemos. Ali, parece que tempos algo de pré-histórico que sobrevive, seja nos fósseis, nas pedras ou nas sementes de cápsulas duras e resistentes, que, como naves, atravessaram o tempo, e quem sabe as eras, viram o oceano ir e voltar, o Atlântico se formar, os dinossauros surgirem e desaparecerem, alguns insetos que viveram ali, ainda se encontram aqui, as primeiras flores e sementes se adaptaram às antigas crises climáticas, assim como alguns animais. Nem todas, no entanto, tiveram resiliência, ou capacidade de lidar com as mudanças radicais. Muitos desapareceram, dando espaço a outras, como nós. As múmias fósseis são testemunhos de vidas desaparecidas, cápsulas que nos trazem vozes desse tempo, supercontinental, e tudo isso é apenas a vida da Terra, um lampejo frente aos seus 4 bilhões e meio de anos, essa vida que nem acaba e nem termina na espécie humana.

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Marta Jourdan

Meu nome é Marta Jourdan, nasci em 1972. Sou brasileira, vivo e trabalho na cidade do Rio de Janeiro. Minha pesquisa esta inserida no campo das artes visuais. Minha investigação engloba o devir da matéria e seus fenômenos. A partir da observação de pequenos eventos e situações quotidianas crio esculturas cinéticas que transformam os estados físicos da matéria, através de processos como condensação, fusão, evaporação e solidificação.

O buraco e o eco

Trabalhei sob a perspectiva do buraco e do eco. Lá no fundo achei minha pesquisa artística ecoada no que foi ruminado escutado falado e apresentado durante o processo dos encontros. Conforme as pessoas apresentavam suas pesquisas de campo, infiltrações, estalactites, estalagmites, humidade, mofo e seres eram recorrentes.

 

Lá no fundo, também me remeteu a imagens da profundeza. Coisas da profundeza. O côncavo. Interior. Introversão. Intimidade. Intimidade das substancias. Enraizamento. A vida subterrânea. Anatomia secreta. O Buraco, a caverna, o umbigo. Foi de uma experiência em que desci em um buraco, mais precisamente em um abismo, que muito da minha prática artística foi e ainda se inspira.


O eco pressupõe um lugar que o que vai retorna de outra maneira do que o que foi. Fiquei então perseguida pela ideia de circularidade, ressoar, começo, meio, começo. Ir e voltar nos trabalhos, mas como o eco, voltar de outra maneira.

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Orlando Vieira Francisco

Artista visual e investigador (i2ADS). Coordena o projeto “From the Top of the Mountains We Can See Invisible Monuments” e é editor da revista HUB (i2ADS). Atua nos temas de produção do espaço social, mudanças da paisagem e práticas do ativismo ambiental e social.

Ecologias Imaginadas – parte 2: as cracas como Arúspice do presente

Tendo como matriz narrativa o devir das Cracas, Ecologias Imaginadas, propõe duas fabulações especulativas que se conectam pelas profundezas infiltradas. A partir de conversas subterrâneas, os trabalhos de Gabriela do Amaral e Orlando Vieira Francisco buscam identificar obras não visíveis, apostando em advertências oraculares e vocalidades infrageológicas se movimentando na reflexão entre cuidado y abandono, real y onírico, pessoal y político.


Porque trazer para o presente? Em continuidade às conversas subterrâneas, a segunda parte reforça a importância de visibilizar o prejuízo da produção de espaço pela prática da geoengenharia, da ocupação no território por motivação institucional (principalmente militar), à sensibilidade das cracas em outra paisagem imaginada. A partir de um mapa batimétrico ficcional, o texto é composto por ilustrações e gráficos que tem o objetivo de denunciar um devir extrativista que extrapola as responsabilidade no uso da linguagem e da técnica.

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Paula Lacerda e Hyldalice

Paula Lacerda é antropóloga, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, produz o Campo Podcast e realiza pesquisas na Amazônia brasileira sobre o tema do gênero, Estado e Direitos Humanos. Em seus trabalhos, privilegia a perspectiva das mulheres e suas experiências cotidianas para compreender o mundo em que elas vivem e que ajudam a construir.

Hyldalice tem formação em ciências sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e trabalha com tatuagem. Em seu trabalho, utiliza a técnica do handpoke, em que grava o desenho apenas com agulha e tinta, marcando a pele ponto a ponto. Também tem experimentado outros métodos de gravação, como a serigrafia e a xilogravura.

Fundão como canteiro de obras

O trabalho consiste em pedaços/cacos/fragmentos de materiais que constituem uma parte do Fundão, na Universidade Federal do Rio de Janeiro/Brasil. Esse lugar – a construção inconclusa de um alojamento estudantil – foi percebido por nós como um canteiro de obras, um espaço onde se materializam diferentes temporalidades e estimulam diferentes sensações. Ali, o projeto, o abandono, a construção, os usos do espaço revelam a ação humana em sua multiplicidade. A partir de um estudo dos materiais que constituem o Fundão como canteiro de obras, produzimos inscrições nessas peças tendo como inspiração trechos, termos e temas que surgiram nas discussões coletivas do projeto. As peças – tijolo, concreto, revestimento, tampa de marmita – foram fotografadas para serem incluídas na mostra digital.

Rafaela Aleixo

21 anos, natural da Guarda, cidade da Beira Interior, em Portugal. Licenciada em economia e estudante de mestrado em Antropologia. Ativista interseccional, faz parte do movimento contra a mineração, em Portugal. Previamente, organizada na Greve Climática Estudantil e na Brigada Estudantil.

Diários de Ruína

Pesquisa e criação centrada no campo da Beira Interior, em Portugal, com foco nas lutas locais na envolvente desse território. Na sua representação, existe um olhar histórico em torno dos problemas associados à mineração e às florestas, narrando e fabulando sobre as (im)possibilidades de existência nestes locais.

Sofia Mussolin

Artista-pesquisadora formada em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos, com sanduíche na Universidade de Coimbra (Portugal), em Design e Multimídia, pelo Programa Santander de Bolsas Luso-Brasileiras. Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Universidade Federal do Rio de Janeiro e doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos Contemporâneos das Artes, na Universidade Federal Fluminense. Transita entre audiovisual, fotografia e performance para pensar perspectivas além-humanas de habitar o mundo.

O fundo da estrutura cospe um sambaqui

A vídeoarte especula o território nomeado como Fundão, no Rio de Janeiro, a partir da observação de estalagmites no prédio da reitoria da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Entrelaçando as narrativas de ocupação desse local com os sambaquis, e seu eventual sumiço, com o aterramento das ilhas para a construção do campus da universidade, o vídeo se coloca como um intermediário entre escalas, vozes, materialidades, realidade e ficção.

Suzana Rievers

Nascida em Bauru SP, 1965. É pedagoga formada pela USC Bauru. Amante dos livros para infância. Após 30 anos dedicados à educação infantil e fundamental, em 2015 começa seu interesse por fotografia, xilogravura, livros de artista e bordado. Recentemente participou da exposição Poéticas do Percurso na Casa Lebre em Bragança Paulista com seu trabalho Coleção 1 - Alfabeto Luminoso. Desde final de 2020 vive em Bragança Paulista onde caminha todos os dias sempre registrando algum detalhe da cidade sem o com os bordados.

Páginas Soltas do fundo da gaveta

A pergunta "E lá no fundo, o que é que tem?" me levou até uma escrivaninha, cujas gavetas ainda não haviam sido abertas. No fundo da gaveta, havia páginas soltas de um caderno com bilhetes de uma mãe aos seus dois filhos. Nenhum para a filha. Tentei imaginar o que essa mãe teria escrito para a filha, mas, sem encontrar palavras, decidi desmontar as páginas de um futuro álbum de fotografia. As folhas em papel preto foram soltas e bordadas com linha bege enquanto ouvia as canções favoritas da mãe. Imagens foram surgindo, estrelas, emaranhados, buracos vazados com linhas ao redor, buracos preenchidos com tramas de linhas.

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